Taylor Swift é o modelo springsteeniano feminino da música pop
Sua música e discografia mantém uma característica poética e profunda que abordam grandes histórias de amor e superação, tendo a América como pano de fundo
Ser fã de música requer muita disposição, porque não é como se você apenas conhecesse aquele artista cujas letras tocam você e levam-no para outra dimensão. Você acompanha a trajetória de história dele ou dela, assiste a videoclipes e fica atento aos próximos lançamentos no Spotify. Era 3 de novembro de 2023, e eu realmente compreendi o que não via em 11 anos cobrindo cinema e música.
Após sair do cinema, impactado pela música de Taylor Swift, me deparei em uma máquina do tempo que me levava exatamente a 21 de setembro de 2013, quando Bruce Springsteen entregava o maior show dele no Brasil — no Rock in Rio. Dois artistas diferentes em suas abordagens, em suas perspectivas de vida, mas semelhantes em um grande número de fãs espalhados pelo mundo. Bruce e Taylor, duas amálgamas que representam o que há de melhor na música norte-americana, tem dualidades semelhantes e que se combinam. Adivinhem: eles nem sequer se conhecem ou tiveram papéis influentes em suas carreiras.
Certamente, você fará um questionamento quanto ao que Bruce e Taylor tem de tão especial, por virem de épocas tão diferentes. Você, swiftie, também o fará, visto que você faz parte de uma geração de millennials que não acompanharam o que tinha de melhor na música pop dos anos 1970 e 1980. Para o fã clássico de Springsteen, não há qualquer chance da minha tese avançar.
Taylor representa tudo o que há de melhor, com sua trajetória de carreira bastante arranhada por escândalos e traumas midiáticos. Nascida na Pensilvânia em 1989, Taylor nasceu na época em que Bruce era a maior lenda do rock americano. Ele fez tudo o que um grande artista faria naquela época. Ele realizou a maior turnê que alguém na indústria poderia ter feito em sua época.
Seu maior álbum, Born in the U.S.A. — e toda sua discografia aclamada — alcançou o topo das paradas da Billboard e o colocou como um verdadeiro representante norte-americano em suas canções, com músicas que ressoavam uma mancha profunda nas raízes da política norte-americana: a Guerra do Vietnã.
As coincidências quanto ao legado que ambos possuem para os fãs e para a indústria são o que mais me impressionam. Ambos se tornaram lendas da música, cada um com o seu estilo.
Swift é conhecida por suas letras detalhadas que capturam momentos íntimos e emocionais de relacionamentos passados. Em “All Too Well”, sua maior e mais importante composição, ela descreve a nostalgia e a dor de um amor perdido, usando imagens vívidas e uma narrativa pessoal que ecoam profundamente em seus ouvintes.
“Cause there we are again on that little town street/You almost ran the red ’cause you were looking over at me/Wind in my hair, I was there, I remember it all too well” (Porque lá estamos nós de novo naquela pequena rua da cidade/Você quase passou o sinal vermelho porque estava olhando para mim/Vento no meu cabelo, lá estava eu, me lembro muito bem).
Com Springsteen é a mesma coisa, abordando o tema do amor com uma mistura de confiança e vulnerabilidade. Em “Tougher Than the Rest”, de Tunnel of Love, ele explora a complexidade dos relacionamentos adultos, oferecendo uma perspectiva de autenticidade e desejo de conexão profunda. “Well, I don’t know, baby, maybe you’ve been around too/Well, there’s another dance, all you gotta do is say yes/And if you’re rough and ready for love/Honey, I’m tougher than the rest” (Bem, eu não sei, baby, talvez você também esteja por aí/Bem, há outra dança, tudo que você precisa fazer é dizer sim/E se você é rude e pronto para o amor/Baby, sou mais durão que o resto).
Conforme ouvimos as músicas de Bruce e Taylor, não tem como ignorar a forte comparação de suas composições no campo da linguagem, onde retrata histórias de amor, e até linhas melódicas que dão arrepios e falam diretamente ao coração.
Swift canta letras para refletir o arrependimento e aprendizado em relacionamentos rompidos. “Back to December” é uma balada emotiva sobre reconhecer os erros passados e o peso da perda romântica. “Wishing I’d realized what I had when you were mine/I’d go back to December, turn around and change my own mind” (Desejando ter percebido o que eu tinha quando você era meu/Eu voltaria para dezembro, me viraria e mudaria de ideia), ela canta na faixa de Speak Now (Taylor’s Version).
Já Springsteen explora a vulnerabilidade e a autopercepção em “Brilliant Disguise”. A música confronta a desconfiança e os desafios emocionais de manter um relacionamento íntimo, expondo a luta interna dele contra suas próprias inseguranças. Em uma das melhores partes do sucesso de 1987, “Now look at me, baby, struggling to do everything right/And then it all falls apart when out go the lights” (Agora olhe para mim, baby, lutando para fazer tudo certo/E então tudo desmorona quando as luzes se apagam).
Sua especificidade foi o que mantém as carreiras de ambos no topo, e o papel precursor foram as suas músicas. Canções que falavam com o norte-americano no campo político, amoroso e uma história de superação para contar. Em sua mente artística, Bruce e Taylor formam uma mesma dualidade intelectual sobre a equidade e a igualdade, temas presentes e que ajudam a melhorar uma sociedade cheia de mazelas e preconceitos. É assim que ambos lutam para representar uma massa.
No início, ambos viveram suas vidas fazendo música. Lutaram para isso, particularmente no caso de Springsteen, passou necessidade. Taylor cresceu em outra época onde teve tudo, além de uma infância saudável e bela. No entanto, tanto para Swift quanto para Springsteen, os desafios da fama cobrariam o seu preço. Ambos superaram — Springsteen esteve nas mãos do empresário Mike Appel por anos até processá-lo e conseguir os direitos sobre toda sua obra; Swift precisou regravar quatro álbuns de estúdio para recuperar os direitos autorais de toda sua obra em um processo sem precedentes na história da indústria, cujas regravações vieram com o selo Taylor’s Version — e logo entraram no melhor momento de suas vidas profissionais.
Semelhanças à parte, os dois sempre gostaram da música americana raíz, com Swift começando sua carreira fazendo álbuns country pop excelentes, como Fearless e Speak Now. Taylor introduziu Carole King no Hall da Fama do Rock and Roll em 2021, um raro exemplo de como King influenciou Taylor em seu estilo de tocar piano.
Springsteen tocava canções country de grandes nomes como Hank Williams e Woody Guthrie, além de ter um respeito máximo por Roy Orbison. Ele também introduziu sua banda de apoio, a grandiosa E Street Band, reconhecendo merecidamente a importância do grande grupo que esteve ao seu lado durante toda sua carreira.
Embora o rock esteja para Springsteen o que o pop está para Swift, ambos remodelaram sua carreira com álbuns mais simplistas, íntimos e pessoais.
Quando Bruce lançou Nebraska em 1982, a ideia inicial era fazer daquelas canções que foram para o álbum como faixas de rock potente, mas preferiu deixar as originais gravadas em fitas demo com violão e gaita porque eram mais encorpadas com o sentido e as histórias folclóricas típicas de uma América western. Nebraska se tornou um clássico folk de Springsteen que ninguém esperava que se tornaria, visto que Bruce tinha vindo com dois álbuns de rock coesos, o tenso Darkness on the Edge of Town (1978) e o duplo The River (1980).
Pulando para o século 21, a carreira de Taylor mudou quando uma pandemia global parou o mundo. Folklore foi concebido na pandemia de COVID-19, quando Swift foi obrigada a entrar em quarentena, abortando os planos de embarcar em uma turnê mundial para promover seu disco anterior, Lover (2019), bem recebido comercial e criticamente. Nesse período, a artista idealizou Folklore como “uma coleção de canções e histórias que fluíam como um fluxo de consciência de sua imaginação”, dedicando-se a trabalhar virtualmente com os produtores musicais Aaron Dessner e Jack Antonoff. Swift gravou os vocais do álbum em um estúdio embutido na residência dela em Los Angeles, enquanto Dessner e Antonoff trabalharam em Hudson Valley e Nova York, respectivamente. Para a surpresa de todos, Folklore é um álbum folk, seu primeiro trabalho do gênero, que foi aclamado como um clássico instantâneo da indústria. Em alguns meses, Evermore saiu com o mesmo estilo de gênero, mas com tons mais claros e concisos.
Como artistas, Springsteen foi considerado pela crítica especializada como o melhor espetáculo ao vivo da história do rock and roll. Suas performances eram intensas, tendo com ele a E Street Band — os mais talentosos hitmakers da América: o guitarrista Steve Van Zandt, o saxofonista Clarence Clemons, o baixista Garry Tallent, os tecladistas Roy Bittan e Danny Federici e o baterista Max Weinberg. Por muito tempo, a turnê de Springsteen a mais bem sucedida, a Born in the U.S.A. Tour, levou Bruce e a E Street por todos os continentes do planeta, lotando estádios e arenas no mundo todo. Os registros daquela turnê histórica estão no álbum ao vivo Live 1975–85.
Na estrada com sua The Eras Tour — desde março de 2023 e previsto para encerrar em 8 de dezembro de 2024, em Vancouver, Canadá — Taylor Swift está lotando 152 shows em arenas e estádios, em cinco continentes. Swift anunciou a Eras Tour em novembro de 2022, após o lançamento de seu décimo álbum, o aclamado Midnights (2022), como sua segunda turnê em estádios após a Reputation Stadium Tour de 2018. Abrangendo mais de três horas e meia, o set list consiste em mais de 40 músicas agrupadas em 10 atos distintos que retratam conceitualmente todos os álbuns de estúdio de Swift; o show foi reformulado em maio de 2024 para incorporar seu novo disco, The Tortured Poets Department. Tornou-se a turnê de maior bilheteria da história, sendo a primeira turnê a ultrapassar US$ 1 bilhão em receitas, tendo um impacto cultural documentado em todo o mundo através de seu clássico instantâneo, o filme-concerto Taylor Swift: The Eras Tour, empilhando exibições nos cinemas e com estadia para a era dos streamings no Disney+.
De um lado, o herói da classe trabalhadora. Do outro, a garotinha da Pensilvânia. The Boss e Tay têm inspirado milhões de pessoas e gerado comoção por onde pisaram. O que poderia ser mais adequadamente resumido sobre os dois está exatamente em suas letras, que também poderiam ser consideradas como uma história de cinema.
Em “The Promised Land”, o personagem de Springsteen luta pela vida, enfrenta problemas paternos e vai para a estrada em busca da sua terra prometida. É uma das canções mais tocantes da estrela de Nova Jersey. “Mister I ain’t a boy no I’m a man/And I believe in a promised land” (Senhor, não sou mais um garoto, eu sou um homem/E eu acredito na terra prometida).
Em paralelo, para complementar o multiverso entre Springsteen e Swift, em “Long Live”, ela canta: “I had the time of my life fighting dragons with you/Long, long live that look on your face/And bring on all the pretenders/One day, we will be remembered” (Me diverti lutando contra dragões com você/Viva essa expressão no seu rosto/E traga todos os pretendentes/Um dia seremos lembrados).
É quando o multiverso da música norte-americana tem seu momento de encontro, entre século 20 e século 21, entre passado e presente, onde tudo o que mais importa para Swift, Springsteen e para nós é ouvir mais histórias sobre o que mais identificamos em nós mesmos.