'Fumar Causa Tosse': E se os Power Rangers fossem franceses e causassem câncer?
Cineasta francês Quentin Dupieux retrata os super-heróis favoritos da TV infantil como neuróticos, tarados e quase sociopatas
Esse grupo de heróis azuis é chamado de Força do Tabaco, e esses “vingadores” intergalácticos lutam contra monstros extraterrestres, espalhando câncer por meio de produtos químicos como nicotina, mercúrio e amônia. Mas vamos supor que quaisquer semelhanças com outros grupos de heróis de capacete e chutes altos, vivos ou mortos, não sejam uma mera coincidência.
O quinteto e seu robô suicida, Norbert 500, acaba de explodir uma tartaruga homicida gigante em uma pedreira quando uma mensagem chega de seu líder. Seu nome é Chefe Didier, e embora ele seja um fantoche de rato nojento com uma gosma verde escorrendo de sua boca, isso não impede o animal de ser um verme para as mulheres. Sua cantada para uma das mulheres da Força é: “Estou sonhando ou seus seios cresceram?” O chefe está alertando sua equipe que um vilão maligno conhecido como Lizardin está planejando atacar a Terra, e que eles devem se preparar para defender o planeta a todo custo.
A equipe se instala perto de um lago e se aloja em um casulo branco antisséptico com camas, uma cozinha, um armário contendo um supermercado totalmente abastecido e uma caixa. À noite, eles contam histórias de fantasmas uns aos outros perto da fogueira, variando de um conto assustador — “Bem, mais como assustador-interessante”, admite Benzène (Gilles Lellouche), a figura de proa da Força — de uma mulher que encontra um misterioso capacete que, uma vez usado, a joga em um estado filosófico de depressão. Outro conto envolve um acidente com um triturador de madeira, e esse é cortesia de uma barracuda que Benzène pegou para o jantar. Ainda outro envolve uma visão de olho de peixe de alguém poluindo um rio. “Isso é simplesmente deprimente”, reclama o grupo.
Enquanto isso, Nicotina (Anaïs Demoustier) se preocupa com sua paixão pelo Chefe e desabafa para sua amiga Amônia (Oulaya Amamra), Métanol (Vincent Lacoste) dá em cima da balconista do supermercado, e todos se preocupam que Mercúrio (Jean-Pascal Zadi) “não seja sincero o suficiente” para matar criaturas cósmicas com vapores tóxicos. Quando eles não estão brigando entre si e sendo idiotas com fãs e transeuntes, a Força se prepara para um apocalipse que está por vir agora, ou talvez mais tarde. Enquanto isso, eles esperam. E esperam. E esperam...
Fumar Causa Tosse — filme que não foi lançado no Brasil, mas apresentado em sessão na 46ª Amostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado — é semelhante a uma paródia de Power Rangers, embora esta talvez seja apenas uma coincidência criativa, pois lembramos da franquia de super-heróis norte-americanos quando observamos os uniformes destes infames franceses azulados. A estética visual do longa, em seu todo, traz o tipo de bobagem de alto conceito que, levada a extremos arriscados, confunde a linha entre o absurdo que induz ao riso e o ridículo brilhante.
As vinhetas se misturam ou abruptamente seguem para algo completamente diferente, enquanto cada conversa banal entre a Força do Tabaco parece se transformar em anedotas ou tangentes excêntricas sobre sexo, violência, danos corporais, baldes literais de sangue, vômito e criação de filhos irresponsável. Um dos pontos positivos aqui é quando o supervilão que ameaça destruir tudo é Benoît Poelvoorde, conhecido por apostar em humor sério, cadáveres e mau gosto em outro filme chamado Aconteceu Perto de Sua Casa, de 1992.
Podemos tentar escolher um comentário social naquele conto de fogueira sobre o peixe e o poluidor; a crença de Lizardin em “tirar um planeta doente de sua miséria”; um personagem obcecado por mídia social interpretado por Adèle Exarchopoulos de Azul é a Cor Mais Quente; ou que o complexo de entretenimento de super-heróis frequentemente lida com o mesmo tipo de comportamento sociopático de benfeitor, só que com uma cara muito mais séria.
Se você conhece o trabalho cinematográfico do cineasta francês Quentin Dupieux — e se não, assista Rubber: O Pneu Assassino (2010), ainda o melhor filme sobre um pneu de carro serial killer já feito, e que também dou empate técnico com outra produção de carro serial killer, Christine: O Carro Assassino (1983) — então você provavelmente percebeu que a extravagância e a tolice não são meios, mas fins em si mesmos.
Seu trabalho tem sido de qualidade variada, mas Fumar Causa Tosse destila sua vibração punk e travessa em uma grande bobagem pop cultural. Se algo foi, de fato, fumado durante a produção (temos nossas suspeitas), é irrelevante. Para quem cria preconceitos com filmes besteirol, este aqui é um besteirol de alto conceito.