Akira Kurosawa e sua abordagem ética no cinema
Principal nome do cinema japonês levou uma genuína história japonesa além-mar e gerou raízes orientais profundas no cinema ocidental
Akira Kurosawa é o principal nome do cinema japonês porque levou além-mar diante das grandes telas uma genuína narrativa japonesa. Seus filmes transcendem fronteiras culturais e revelam uma profundidade de visão que conecta o espírito humano em uma tapeçaria universal. Kurosawa, em sua obra, se torna um grande contador de histórias que explora as complexidades da vida com precisão e sensibilidade raras.
Kurosawa era especialista em usar a câmera como uma extensão de sua própria visão. Cada movimento e enquadramento era calculado para provocar uma resposta emocional, convidando o espectador a mergulhar profundamente em sua própria forma de contar narrativas. Ele sabia que a câmera não era só uma ferramenta, mas uma ponte entre o mundo ficcional e a realidade emocional de quem assistia a seus filmes. Em Rashomon, por exemplo, Kurosawa joga com esta perspectiva, fragmentando a narrativa em múltiplos pontos de vista que desafiam a ideia de uma verdade.
Em seus filmes, a influência do teatro Noh e do Kabuki é profundamente palpável. Ele não apenas capturava a essência desses estilos tradicionais, mas os reimaginava para o cinema, criando uma fusão entre o antigo e o novo. Em Trono Manchado de Sangue, de 1957, vemos essa mistura em ação. Inspirado em Macbeth de Shapeskeare, o cineasta japonês transporta o espectador para a Terra do Sol Nascente onde a tragédia e a brutalidade se entrelaçam em um laço mortal.
O diretor também era um artesão silencioso. Em Os Sete Samurais, o silêncio antes da batalha final não é vazio, mas carregado de uma tensão quase insuportável. Ele compreendia que esse silêncio, quando usado de forma correta, poderia dizer mais do que mil palavras inúteis. Era uma forma de amplificar a emoção, para preparar o terreno para o caos que ainda estava por vir.
A atenção meticulosa está permeada pela filmografia de Kurosawa. A chuva torrencial em Rashomon, o vento constante em Trono Manchado de Sangue, ou a neve suave em Dersu Uzala não são apenas elementos de cenários, mas personagens em si mesmos. Kurosawa usava os elementos da natureza para refletir o estado emocional dos personagens, criando uma simbiose entre o ambiente e a narrativa.
A moralidade, tema sempre presente em sua filmografia, é frequentemente ambígua — um reflexo da complexidade da vida. Kurosawa explora temas neutros (Rashomon), a relatividade da verdade, onde cada personagem tem sua própria versão dos eventos contados. Não há um vilão ou herói, mas apenas seres humanos imperfeitos e tentando justificar suas ações. Essa ambiguidade moral é o que torna seus filmes tão universais e permite que cada espectador traga sua própria interpretação para a história.
Kurosawa também dirigia atores com uma tamanha sensibilidade. Sua colaboração com Toshiro Mifune é lendária. Mifune, com sua energia bruta e presença carismática, se tornou a personificação dos personagens complexos de Kurosawa. Em Yojimbo: Os Guarda-Costas, Mifune interpreta um ronin solitário com uma intensidade que é ao mesmo tempo aterrorizante. Kurosawa sabia como extrair o melhor de seu elenco, criando performances que são ao mesmo tempo poderosas e sutis.
O uso do preto e branco em muitos de seus filmes não era uma limitação, mas uma escolha artística deliberada. Kurosawa compreendia o poder do contraste, da luz e da sombra. Os volumes rochosos das montanhas imóveis e as sombras das árvores que se movimentam sobre os rostos dos personagens, criavam uma atmosfera de mistério e dúvida. Estas cores se tornaram uma metáfora visual para a dualidade da natureza humana, onde o bem e o mal estão sempre em conflito.
Mas Kurosawa não se limitava ao preto e branco. Usando uma filmagem a cores pela primeira vez com Dodeskaden: O Caminho da Vida, ele explora as cores com a mesma maestria. As cores vibrantes do gueto em que a história se passa contrastam com a tristeza e a desesperança dos personagens. Kurosawa usava a cor como um meio de expressar emoções, onde cada tom e cada sombra tinham um propósito.
Kurosawa colaborou frequentemente com o compositor Fumio Hayasaka, cuja música adicionava uma camada extra de emoção às cenas. Os Sete Samurais inspirou Sete Homens e Um Destino tanto no estilo cinematográfico quanto em sua música. A trilha sonora é épica e trágica, e reflete o heroísmo e a futilidade da batalha. Kurosawa entendia que a música era uma extensão da narrativa, uma forma de amplificar as emoções que ele queria transmitir.
Achando que não teriam temas mais profundos para abordar, a morte é um dos temas mais impactantes de sua obra em Viver, clássico de 1952, onde Kurosawa explora a vida através do prisma da morte iminente. O protagonista, Kanji Watanabe, um burocrata que descobre estar com câncer terminal, embarca em uma jornada para encontrar significado em seus últimos dias. A simplicidade do enredo é onde reside sua força. Kurosawa nos confronta com a realidade do tempo, mostrando que mesmo na rotina automática da vida, há a possibilidade de redenção e propósito.
Já em Ran, de 1985, Kurosawa apresenta uma adaptação monumental de Rei Lear, ambientada no Japão feudal. O filme é uma obra-prima visual, com suas paisagens grandiosas e batalhas épocas que refletem a decadência de uma dinastia e a destruição que o poder absoluto pode trazer. Aqui, a tragédia não só pessoal, mas cataclísmica, abrangendo famílias, reinos e gerações. O vermelho, usado de forma tão poderosa, simboliza a violência e o caos que consomem todos ao redor.
Ao imaginar que John Sturges, ao assistir Os Sete Samurais, se inspirou para filmar Sete Homens e um Destino, é fantástico perceber que no cerne de um clássico norte-americano está uma raiz cinematográfica oriental. E Yojimbo deu origem a Por um Punhado de Dólares, de Sergio Leone, criando um faroeste teuto-hispano-italiano com cara e estilo de cinema nipon.
Kurosawa não só influenciava, como também foi influenciado. O amor dele pelo cinema ocidental, especialmente pelos filmes de John Ford, é evidente em suas paisagens épicas e no senso de moralidade que permeia suas histórias. Um filme como No Tempo das Diligências, de 1939, influenciou tanto Kurosawa que Os Sete Samurais claramente trouxe uma característica distinta.
Em seus filmes descobrimos novas camadas de significado, novas nuances que podem ter passado despercebidas anteriormente. Esse é o poder da obra de Kurosawa. O diretor japonês produziu histórias através das imagens em movimento que não só podem ser assistidos, mas vividos, explorados e, acima de tudo, sentidos.